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Desestruturação


Fotos: Felipe O'Neill

A peça Batistério, em cartaz na Sede das Companhias na Lapa, explora uma abordagem metafórica para tratar de temas como aborto, sexualidade e religião. Ricardo Ricco e Ana Paula Novellino interpretam Jacó e Rute, um pastor protestante e sua esposa que vivem num sítio situado longe dos centros urbanos. A empregada Hilda, interpretada pela atriz Laura Nielsen, vive e trabalha para o casal.


De cara somos apresentados a um ambiente arcaico. O cenário, que dispensa grandes estruturas e o figurino contribuem para uma ambientação digna dos anos 30 ou 40 do século passado. A encenação é introduzida por uma passagem bíblica demarcada por uma iluminação em destaque, dispositivo que será revisitado algumas vezes durante o desenrolar da montagem.


Com as primeiras enunciações das personagens nos são postas as pressões que regem aquela estrutura familiar em exposição. Mulher e criada, que para variar é quase da família, refletem sobre o comportamento vulgar de uma vizinha. Logo depois, sentados à mesa, o pastor repreende o comportamento intrometido da servente e critica a postura da mulher que ainda conserva certa rebeldia diante das imposições do marido.

Batistério revela a princípio uma estrutura tradicional tanto dramatúrgica quanto em sua materialidade. Até que as primeiras quebras vão ficando perceptíveis. Os atores, por exemplo, não saem do palco mesmo quando não fazem parte da ação dramática. A personagem Rute é deficiente e dependente de uma cadeira de rodas, mas, em uma das cenas, sem nenhum grande alarde, ela levanta-se, enuncia um trecho da bíblia e torna a sentar-se para dar continuidade a trama. Outro estranhamento que desloca provocativamente o público é a citação do uso de telefones celulares e internet, situando a peça na atualidade em contradição com as primeiras impressões deixadas pelo conjunto.


Aos poucos percebemos que aquela estrutura familiar está corrompida e prestes a implodir. A podridão submersa é denunciada através dos gritos mudos e animalescos de Davi (Evandro Manchini) - que abre a peça - e Hilda posteriormente. A crítica do autor e diretor João Cícero também aparece como uma espécie de cama de gato que sustenta a montagem. Dessa maneira, ele produz um espetáculo multifônico e suscetível a julgamentos, análises e opiniões diversas valendo-se de uma forma irônica como, por exemplo, com as passagens bíblicas que se chocam com a cena em sequência.


Batistério, na verdade, não fala do nascimento, mas sim do aborto. O aborto literal e simbólico em nome de uma moral incoerente. O pastor missionário que cura dependentes químicos e zela como um cão pela sua idealização de família é o mesmo que mantém uma relação adúltera e abusiva com Hilda e chega ao ponto de obrigá-la a interromper uma gravidez. O ápice da teatralidade explorada pela direção é a cena em que o pastor implora a Hilda que “alivie sua tensão” e iniciam um jogo cênico em que ele despeja leite em sua boca até que a mulher fica sufocada e o homem satisfeito. Esse é o caminho que aquela montagem embasada na ironia, nas sutilezas e no estranhamento encontra para encenar o ato da felação. Aquele leite derramado segue espalhado pelo palco durante toda a peça. A primeira sujeira aparente.


O retorno de Davi, o “filho pródigo”, ao seu lar de origem, desajusta completamente aquele castelo de areia. O menino não reconhece Rute e Jacó como seus pais apesar de manter uma relação afetuosa com a mãe biológica. Hilda sangra ininterruptamente sobre um lençol que se mantém incólume, límpido, apesar de ser possível enxergá-lo vermelho. Com a insistência de Davi em revelar as verdades ocultas e desestruturantes o público vai acompanhando o desgaste e desmantelamento daquela família.


Neste momento da montagem a estrutura dramática fica em segundo plano. Depois que Hilda, personagem que se mantivera absolutamente submissa até ali, decide ir embora sem grandes explicações, ou sem a tradicional construção de um ápice, a peça também vai deixando o público sem previsíveis conclusões e principalmente sem resolver as questões que foram explanadas em cena. As indagações seguem em aberto e nós as trazemos para nossas vidas.

 MANIFESTo CULTURAL        ''SEMENTES'' 

 

Nós nos reunimos para pensar o pensamento crítico da atualidade. Um pensamento crítico que pretende aproximar os fazeres artísticos em pauta da pesquisa universitária.

Investigamos o diálogo em ebulição entre as formas mais tradicionais - em desuso ou não - as questões contemporâneas e as nossas individualidades enquanto alunos de Artes Cênicas da PUC-Rio.

 

A semente que plantamos se distancia do juízo de valor e busca conectar as experiências estéticas em exposição com os nossos próprios experimentos.  

  Dicas da semana: 

 

02/06/17: Obsessões (Laborátorio de Artes Cênicas PUC-Rio) 

03/06/17: Anánkê (Laboratório de Artes Cênicas PUC-Rio) 

04/06/17: Boca de miséria (Vila os diretórios PUC-Rio)

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