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O Sopro de um Tornado


Foto: Carlos Peder

Obsessões - no Laboratório de Artes Cênicas (PUC-Rio) com direção de Ana Kfouri

Junho de 2017


O teatro que também é laboratório é a junção de experimentos artísticos de jovens atores que fazem fluir, em uma altivez estimulante, os estridentes textos de Nelson Rodrigues. São como tubos de ensaio efervescentes e de químicas explosões. Esta é a segunda vez que me encontro em suas apresentações – e ainda por cima, no LAC, Laboratório de Artes Cênicas -, e no entanto não se reflete uma mesma identidade no trabalho. Obsessões me suspende em uma forca que me arranca lágrimas. Geni, interpretada inicialmente por uma jovem atriz de cabelos cacheados, nos sufoca em um fantasma angustiante, presente entre nós mulheres: o câncer de mama. Essa enfermidade toca em nossos seios que são tão julgados e hipersexualizados. Ela, Geni, prostituta, espelha seu corpo como via de exibição e constante movimento e não nega seu desejo por um fim diferente. Geni suplica por seu valor que não se resume ao desprezo de seu amante.


Herculano sucumbe na tristeza da morte de sua esposa, se degrada no álcool e em suas orgias. Busca em outras mulheres a semelhança compatível com sua amargura masculina e violenta. Uma nova Geni se revela, em um espaço que me lembra uma fotografia de Polaroid, se confundindo nos traços de uma luz violeta e fundo completamente negro. Essa Geni deseja exibir seu corpo para Serginho, que brada, ralha e humilha. Ela não deseja dessa forma. É prostituta sim, mas o seu despir nos revela uma arte pictórica da autovalorização feminina, de apreciação sem se depreciar. O corpo nu da atriz desliza sinuosamente por esse fotograma que é abertura de um ciclo de mais conflitos na trama.


A empregada galopante no ato sexual com seu patrão, nos captura na necessidade masculina de comprovação de sua masculinidade. A jovem menina que se encanta pelo homem bem mais velho que ela, confundida em suas vestimentas brancas, sua suposta pureza e divindade, nos foca na existência da insolência infantil. A negação diante de um erotismo mais livre cria uma nitidez perante as limitações do desejo do corpo. A filha que se embaça em uma rejeição materna, é berço para um grito de insistência em existir. A senhora que suplica pela atração masculina almeja resgatar as cores de sua juventude, é como uma fotografia preta e branca consumida pelo tempo. Nelson Rodrigues, com sua destreza em textos caóticos, demarca embates que giram em contornos de atos contemporâneos. As vozes das intérpretes femininas como Alice Caymmi e Elza Soares são ecos de resistência na insistência no respeito da mulher. A brutalidade que sofremos em carregar no peso da suposta fragilidade, da ingenuidade, da submissão, da cor da pele e de impostas obrigações.


Naquela cadeira de plástico escuro dentro da ambientação do teatro-laboratório, em cima do próprio palco, me senti submersa em uma vivência minha, de todas as negações providas de uma ignorância de ouvidos mocos. Nós espectadores, dentro do olho daquele tornado que nos lança para o ar e nos reduz à terra. Giramos e nos atordoamos com os gritos tão vivos e realistas de seus sopros rodriguianos. Os nossos destroços perante sua agressão verbal, suspende uma permanência de se reerguer e se conduzir pela arte. Não é sobre ser lançado aos céus com a potência do ciclone, é saber se conduzir e ressurgir a partir dos seus escombros.


*Graduanda no curso de Artes Cênicas na PUC-Rio, Joyce Grecio, é estudante de crítica. Onde reproduz sua sensorialidade artística através de uma visão interna dela própria em suas palavras, uma ramificação do que a transpassa.

 MANIFESTo CULTURAL        ''SEMENTES'' 

 

Nós nos reunimos para pensar o pensamento crítico da atualidade. Um pensamento crítico que pretende aproximar os fazeres artísticos em pauta da pesquisa universitária.

Investigamos o diálogo em ebulição entre as formas mais tradicionais - em desuso ou não - as questões contemporâneas e as nossas individualidades enquanto alunos de Artes Cênicas da PUC-Rio.

 

A semente que plantamos se distancia do juízo de valor e busca conectar as experiências estéticas em exposição com os nossos próprios experimentos.  

  Dicas da semana: 

 

02/06/17: Obsessões (Laborátorio de Artes Cênicas PUC-Rio) 

03/06/17: Anánkê (Laboratório de Artes Cênicas PUC-Rio) 

04/06/17: Boca de miséria (Vila os diretórios PUC-Rio)

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