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Essa coisa de ser negro.


Foto: Raphael Aguiar

Preta (Performance): Mostra BOSQUE_puc cena experimental

Abril de 2017 – Pilotis Kennedy

No pilotis Kennedy da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, um aglomerado de gente se formou para ver a performance da atriz Thaís Nascimento, alguém que poderia mais uma vez passar por desapercebida naquele ambiente, mas que naquela tarde se tornou o centro das atenções.


A partir de uma intervenção proposta pelo evento Mostra Bosque dos alunos de artes cênicas da instituição, que traz realizações artísticas para o campus universitário, aquele local se transformou em um verdadeiro palanque para aquela voz, ou melhor, para aquela pessoa que precisava ser ouvida por todos que ali se encontravam. Um espetáculo vê-la: uma atriz negra, cabelos ''cheios de molinhas'' - como ela diz em seu texto - que voavam de um lado para o outro toda vez que se mexia ou quando um vento forte batia.


A dramaturgia feita a partir de colagens de textos de três autores diferentes (Antonin Artaud, Bianca Santana e Victoria Santa Cruz) nos traz a imagem da transformação que ela passou desde a infância até a sua fase jovem atual e a aceitação de si mesma como uma mulher negra, que até então ela evitava que se aflorasse por todo preconceito no qual a nossa sociedade é construída. Enquanto ela fala percebemos o quanto é necessário para a atriz jogar para fora os gritos de angústia da sua libertação dos padrões impostos hipocritamente a ela enquanto crescia.


''E odiei meus cabelos, meus lábios grossos e mirei apenada a minha carne tostada / Passava o tempo e sempre amargurada continuava levando nas minhas costas minha pesada carga'', essas são algumas das frases potencialmente fortes que cercaram as pessoas que passavam por aquele pilotis e que sem saber do que se tratava se permitiram a escutar e a observar, mesmo que de longe, o discurso tão político e ao mesmo tempo tão poético da atriz. A presença daquele corpo atuando em lugar de passagem, de pressa, no horário de almoço - o que ocasiona ainda mais movimento - causava um impacto em quem, antes preso ao celular, começou a percebê-lo.


A performance que já começou com um público formado, amigos e convidados da atriz, em sua maioria negros até pelo fato de muitos serem do coletivo Nuvem Negra (composto por alunos da universidade) trouxe uma certa representatividade para aquele ambiente. Aceitando que de fato a instituição é situada na Zona Sul da cidade e que é frequentada majoritariamente por pessoas brancas e de situação financeira bastante estável, causa uma certa estranheza um grupo ''minoritário'' estar ocupando, juntamente com um corpo e voz representados pela Thaís Nascimento, aquele espaço.


A cada minuto pude perceber o público sendo multiplicado, olhos vidrados e ouvidos atentos, a curiosidade pode ter levado muita gente para aquele determinado local, mas havia uma conexão coletiva, um entendimento daquelas palavras e dos movimentos de transformação que aquele corpo estava passando. Mesmo com um espaço enorme, tantas pessoas circulando e conversando, conseguíamos manter o contato com a principal coisa que estava acontecendo no local, sem distrações e quebras de expectativas. Todos pareciam saber o porquê de estarem escutando um texto que no início parecia um pedido de socorro, mas que acabou nos mostrando a sua verdadeira vocação: nos livrar de valores construídos como certos e padrões, mas que na verdade só ferem e atingem o nosso próximo. Outro efeito está em percebermos que é importante que nos conheçamos e que todos tenhamos voz e espaço para mudar conceitos e ter a liberdade do autoconhecimento. Foi visível que aquela atriz se identificou com aqueles textos, pois eles descrevem as fragilidades e as forças pelas quais ela passou para saber qual o lugar que ela precisava tomar como mulher, como negra e como ser humano. Além disso, para experimentar como continuará se libertando e, principalmente, mostrando o valor de seus atos e de suas falas em qualquer posição.


A cena durou em torno de 10 minutos e mostrou a realidade de uma jovem atriz que vem se descobrindo e se colocando no mundo. A força que ela usa para dizer cada palavra do seu texto, é a mesma força que ela usa para agradecer a multidão que se formou no final da sua apresentação, mesmo que de forma mais devagar, já que durante a apresentação suas palavras pareciam atacar as pessoas da mesma forma que ela foi atacada um dia pelo tom de sua pele, pelos seus cabelos, pelos seus lábios. É gratificante assisti-la terminar e continuar em êxtase com imagens, frases e palavras que não saem rapidamente da nossa cabeça: ''Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!" “Por acaso sou negra?”. “Que coisa é ser negra? ''. No fim dos aplausos, o pilotis parecia novamente apenas um lugar de passagem e pressa, mas parece que aquela voz continuou ecoando por todos os cantos.


*Dayene Santana, 19 anos, graduanda em Artes Cênicas na PUC-Rio, atriz e produtora sendo formada pelas experiências.

 MANIFESTo CULTURAL        ''SEMENTES'' 

 

Nós nos reunimos para pensar o pensamento crítico da atualidade. Um pensamento crítico que pretende aproximar os fazeres artísticos em pauta da pesquisa universitária.

Investigamos o diálogo em ebulição entre as formas mais tradicionais - em desuso ou não - as questões contemporâneas e as nossas individualidades enquanto alunos de Artes Cênicas da PUC-Rio.

 

A semente que plantamos se distancia do juízo de valor e busca conectar as experiências estéticas em exposição com os nossos próprios experimentos.  

  Dicas da semana: 

 

02/06/17: Obsessões (Laborátorio de Artes Cênicas PUC-Rio) 

03/06/17: Anánkê (Laboratório de Artes Cênicas PUC-Rio) 

04/06/17: Boca de miséria (Vila os diretórios PUC-Rio)

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