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Espelho Nosso


Foto: Elisa Bessa

Cenas curtas – Mostra BOSQUE_puc cena experimental

Crítica da performance Espelho Meu, de Lídia Orphão.

Aguardamos o início da performance Espelho Meu ao som de Survivor, da antiga banda de mulheres Destiny’s Child. A música fala da independência da mulher em relação ao homem e do empoderamento feminino. Mais adiante, entendemos o porquê da escolha.

A performer Lídia Orphão entra em cena com um semblante suave bastante acolhedor. Ela é jovem, careca e gorda. Com um sorriso tímido no rosto Lídia diz “Gostaram da minha roupa? É a melhor roupa que eu tenho”: Lídia está nua.

O trabalho de arte não é uma autobiografia, já dizia Roland Barthes. Então, qual a relação do artista com a obra criada? Lídia se olha em um espelho pouco iluminado e canta para si mesma a velha canção de Cazuza, Eu Preciso Dizer Que Te Amo. O uso do espelho é um reconhecimento, uma identificação. A materialidade da cena desenha e nos aponta de antemão tudo que ela está prestes a nos falar. Lídia passa a mão pelo seu corpo em silêncio e praticamente grita um “eu me amo” com os olhos. Ela se olha no espelho, nua, sem pudores, com um meio sorriso de canto de boca e logo nos apresenta um dos temas do seu trabalho, a aceitação. Em um dado momento, pega uma máquina para raspar os poucos cabelos que já cresceram em sua cabeça e assim afirma que quem manda no corpo dela é só ela! Suas ações provocam uma sensação de contentamento com o próprio corpo.

Raspar o cabelo é uma ação muito forte. O efeito estético desse seu gesto nos faz repensar todo padrão de beleza e todo julgamento que um dia já fizemos, falamos, pensamos ou mesmo nos submetemos a ele. Entre outros motivos, Lídia diz ser careca para que seja normal uma mulher que escolheu raspar o cabelo; ela é careca para se afirmar como mulher; e é mulher porque escolheu ser mulher, não pelas suas roupas, pela buceta ou pelo cabelo.

“Oi corpo”. Assim inicia-se o áudio em que Lídia declara-se para si mesma. Ela pede desculpas ao corpo por tê-lo odiado por tanto tempo e por ter tentado reprimi-lo. Hoje ela entende que ser gorda não é um problema, e nunca foi. Assim como ser careca também é bonito. Quando está de costas, vemos tatuadas duas notas musicais em seu dorso, que mais se parecem duas aspas destacando o seu corpo iluminado. É catártico ver a própria Lídia Orphão como obra de arte.

Em meio a tanto machismo, preconceito e violência – apesar de estarmos no século XXI – em que o medo de sair na rua sozinha é real, falar de empoderamento é um tanto corajoso e essencial. O corpo da mulher infelizmente ainda é hipersexualizado e a nudez escolhida por Lídia é uma forma de protesto ao sexismo, ao controle imposto pelas convenções sociais em que se despir e se apresentar como nasceu contrasta com a objetificação feminina do nu que vemos diariamente em revistas, televisão, propagandas, entre outros.

Ao concluir sua performance em frente ao espelho, Lídia diz: “Tô pronta. Vamos? ”. Acredito que ainda não estamos prontos como você, Lídia, e que o caminho de desconstrução e aceitação ainda está em processo. Um processo longo e doloroso para muitos. Mas acredito também que ele já está acontecendo e que são militâncias como a sua que o possibilitam seguir adiante com mais força.

Aceito seu convite para reflexão. Vamos?

*Ana Niquini, 22 anos, mineira de Jequeri, é formada em Teatro pela Escola de Teatro PUC-Minas e graduanda em Artes Cênicas na PUC-Rio.

 MANIFESTo CULTURAL        ''SEMENTES'' 

 

Nós nos reunimos para pensar o pensamento crítico da atualidade. Um pensamento crítico que pretende aproximar os fazeres artísticos em pauta da pesquisa universitária.

Investigamos o diálogo em ebulição entre as formas mais tradicionais - em desuso ou não - as questões contemporâneas e as nossas individualidades enquanto alunos de Artes Cênicas da PUC-Rio.

 

A semente que plantamos se distancia do juízo de valor e busca conectar as experiências estéticas em exposição com os nossos próprios experimentos.  

  Dicas da semana: 

 

02/06/17: Obsessões (Laborátorio de Artes Cênicas PUC-Rio) 

03/06/17: Anánkê (Laboratório de Artes Cênicas PUC-Rio) 

04/06/17: Boca de miséria (Vila os diretórios PUC-Rio)

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